Ato infracional e sua (não) repercussão em concurso público

Na teoria, muito se fala sobre ressocialização de condenados e sua reinserção no mercado de trabalho. Entretanto, o mesmo Estado que erigiu a status constitucional a impossibilidade de fixação de pena perpétua por vezes nega cargos públicos àqueles que um dia cometeram uma infração penal – mantendo no plano da retórica política as garantias fundamentais estabelecidas em nosso “Estado de Direito”. Nesse contexto, questiona-se: poderia um ato infracional estigmatizar um menor infrator a ponto de impedir a assunção de futuro cargo público?

Primeiramente, há que fazer uma prévia distinção entre crime e ato infracional. O ponto fulcral reside na (não) existência de culpabilidade: aquele que não possui capacidade psíquica completa para agir e se motivar (inimputável) não comete “crime” e não é condenado à “pena”: mas sim, é submetido à medida socioeducativa, à tratamento ambulatorial ou à medida de segurança.

Conforme nosso Código Penal, todo menor de 18 anos é presumivelmente inimputável. Por isso, caso viole alguma disposição penalmente condenável, terá cometido um “ato infracional” e será submetido à “medida socioeducativa”, já que não possui maturidade suficiente para discernir seus atos. Isso se dá principalmente pela necessidade de recuperar o menor infrator, viabilizando sua manutenção na sociedade e evitando estigmas para a vida adulta.

Com base nisso, o Superior Tribunal de Justiça reiteradamente decide que ato infracional sequer pode ser considerado como maus antecedentes para fins de majoração de pena base (por exemplo: HC 289.098/SP – DJe 23/05/2014; HC 249.015/SP – DJe 23/04/2013; HC 185.452/RJ – Dje 28/02/2013, entre outros). Isso com base na presunção de inocência, princípio de elevado potencial político e jurídico, indicativo de um modelo basilar e ideológico de processo penal (GIACOMOLLI, Nereu José. In: CANOTILHO, J. J. Gomes [et.al.], Comentários À Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 442-444).

E não podia ser diferente: a política criminal nacional optou por tratar de forma diferenciada o menor que comete atos penalmente condenáveis, já que a condenação penal e o cumprimento de pena em presídios não só estigmatizaria indivíduos que sequer possuem plena capacidade volitiva, como geraria uma potencialidade maior de reincidência em delitos mais graves.

Baseado no entendimento exposto da Corte Superior, e seguindo a teleologia adotada em outros casos, por exemplo, de que ação penal em curso, inquérito arquivado, eliminação por fato antigo, sanções disciplinares ou inscrição no SPC/SERASA não são suficientes para excluir candidato em investigação social, eventual cometimento de ato infracional não pode desabonar a conduta de candidato que concorre a cargo público.

Perceba: se ato infracional sequer pode ser considerado como maus antecedentes para fins de cálculo de pena justamente pela ausência de culpabilidade do autor do fato, por muito mais razão não poderia ser fato gerador de eliminação em concurso público. Pensar de forma contrária seria estabelecer o estigma que o Código Penal e a política criminal buscaram evitar ao tratar como “ato infracional” (e não crime) as violações penais dos menores de 18 anos.

Por essa razão, os candidatos que tenham qualquer prejuízo em virtude de eventual ato infracional cometido quando menores devem procurar o judiciário para reverter a situação, já que desclassificação baseada única e exclusivamente nesse deve ser considerada inconstitucional.

Por Rafaela Pszebiszeski

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