É possível alterar o horário de realização de prova de concurso devido à convicção religiosa de algum candidato?

Este assunto não é novo aqui no blog, além de ser de grande interesse para parte dos candidatos que prestam concursos diuturnamente. Em artigo publicado em 22 de março de 2013, portanto, há mais de dois anos, discutimos a possibilidade de realização de etapas de concurso em datas e locais diferentes dos previstos em edital, também por motivo de crença religiosa.

Naquela oportunidade, além de discutirmos a separação entre Igreja e Estado, pudemos ver que a atual Constituição da República Federativa do Brasil trouxe um direito fundamental, inscrito no inciso VII de seu artigo 5º, em que prevê que: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”.

Veja-se que a convicção religiosa de cada um não pode ser motivo de restrição de direitos. Há, entretanto, uma ressalva: Caso o indivíduo utilize sua liberdade de culto para se eximir de cumprir obrigação legal imposta à coletividade, recusando-se, inclusive, de cumprir a alternativa fixada em lei, que não fira seu direito de professar uma religião.

No que tange aos concursos públicos não é diferente: todos os candidatos devem concorrer em igualdade de condições, e mesmo aqueles que possuem algum tipo de reserva de vaga precisam ser igualmente avaliados dentre seus pares, sem exceção.  Nesse caso, como ficaria a situação dos candidatos que devem resguardar algum dia da semana por convicção religiosa? Ficariam alijados caso as avaliações e etapas acontecessem neste dia de resguardo?

Uma vez mais utilizaremos como exemplos os candidatos que são Adventistas do Sétimo Dia. Como é bem sabido, as pessoas que professam esta religião precisam praticar um resguardo no dia de sábado, que deve durar até o por do sol. Dessa forma, caso uma prova de concurso seja marcada durante o dia sábado, os Adventistas do Sétimo Dia não poderão fazê-la?

Ora, se não há uma alternativa para este caso, na forma descrita na Norma Fundamental acima citada, certamente ocorreria privação de direitos devido a convicção religiosa, afrontando-se diretamente o pilar maior do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Lembremos, no entanto, que em nossa última conversa sobre este assunto, o Poder Judiciário nacional estava dividido quanto a forma de resolver esta questão, sendo que, em alguns casos, não havia autorização para mudança nos dias (ou mesmo de horário) das etapas de Concurso, conforme precedentes do STJ (em específico o RMS 16.107/PA, relatoria do Ministro Paulo Medina), do STF (STA-AgR n. 389/MG, relatoria do Min. Gilmar Mendes) e do CNJ (CNJ – PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0005544-13.2011.2.00.0000 – Relatoria do Conselheiro Neves Amorim).

Reconheçamos: Naquilo que toca à realização de exames escritos, seja de múltipla escolha ou em questões discursivas, de fato, a mudança no dia de realização dos mesmos traria um grande desafio: Como manter o sigilo das questões das provas, sendo que haveria diferentes dias de aplicação de testes? Poder-se-ia modificar o conteúdo dos exames, claro. Mas isso não poderia representar uma prova mais fácil, ou mais difícil que a outra, ferindo-se a necessidade de Isonomia entre os candidatos? Entre provas com questões diferentes, onde ficaria a igualdade de concorrência?

Evidente que o Direito, que evolui com o passar dos anos, avançou um pouco nesse sentido. Porém, o que tem sido deferido, ao invés da possibilidade de mudança de dia, é a mudança de horário de realização de provas para candidatos que tenham algum impedimento religioso para fazê-las. Dessa forma, em julgado recente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (REOMS 00280694220124013400, relatoria do Desembargador Federal Néviton Guedes), foi deferida a possibilidade de aplicação de provas a Adventistas do Sétimo Dia após o por do sol de sábado (costumeiramente ás 19 horas).

Porém, antes que se diga que a mudança de horário tratada neste momento já tinha sido descartada e proibida, há uma peculiaridade: os candidatos que forem se submeter às provas neste horário precisam ficar incomunicáveis até o momento em que forem começar a resolução das questões, provavelmente em sala determinada para esta finalidade. Assim, resolver-se-ia, até que se prove o contrário, o problema do sigilo da prova, aventado supra.

Por fim, sobre a citada repercussão geral no STF, com relatoria do Ministro Dias Toffoli, (RE 611.874/DF), tem-se que a mesma ainda não foi julgada, estando conclusa ao relator desde 24 de abril de 2014. De toda sorte, a Procuradoria Geral da República, em 23 de abril do mesmo ano opinou pelo deferimento do referido RE da União Federal, e denegação da segurança. Seria o fim da possibilidade de modificação de data de provas por motivo religioso em Concursos Públicos? Pode ser que sim, mas sua alternativa, a modificação de horário (com incomunicabilidade), se apresenta como mais viável, e ainda deverá ser muito debatida. Aguardemos.

Mais julgados sobre o tema:

1) REOMS 00368276420134013500, Desembargador Federal Néviton Guedes, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/02/2015.

2) AMS 00098458420114036100, Juiz Convocado Roberto Jeuken, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/07/2014.

3) MS 00436941020074010000, Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, TRF1 – CORTE ESPECIAL, e-DJF1 DATA:23/10/2009.

4) AG 200802010102377, Desembargador Federal Theophilo Miguel, TRF2 – SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, DJU – Data::28/07/2008.

5) REO 200383000149410, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Segunda Turma, DJ – Data::18/11/2004.

Por Daniel Hilário

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