Reparação de danos em casos de discriminação em concurso público

A Constituição Federal de 1988, norma basilar do ordenamento jurídico brasileiro, traz, no inciso IV de seu artigo 3º, o compromisso da República em promover o bem de todos, sem distinções de origem, raça, cor, etc.  Tal premissa é reforçada pela instituição do tratamento igualitário como direito fundamental, conforme previsão do caput do artigo 5º, sendo vedada a discriminação de qualquer natureza, seja por raça, gênero, opção sexual, dentre outros. Ainda, o inciso X do mesmo artigo contém previsão expressa quanto a proteção da honra, imagem e vida privada do indivíduo, reconhecendo o direito a indenização para reparação em caso de dano a algum destes.

No entanto, apesar da previsão dessas normas garantidoras, a ofensa a igualdade, ou seja, a discriminação em sua concepção mais ampla, é um problema grave da nossa sociedade, já que o preconceito está arraigado nos indivíduos em todas as esferas sociais. Assim, seja pelo uso de palavras, ou pela adoção de determinados comportamentos, o preconceito e discriminação se manifestam de diversas formas, sendo dever do Estado coibir essas condutas desprezíveis, que acabam por atingir o indivíduo na sua essência, violando-se outro preceito fundamental: a dignidade da pessoa humana.

É inegável, nesse contexto, que a prática de condutas discriminatórias nas suas mais diversas formas, causam sofrimento moral a pessoa, ocasionando danos psicológicos, razão pela qual estes também devem ser reparados mediante o pagamento de indenização por tal sofrimento, já que todo aquele que causar dano tem o dever de indenizar, a teor das regras previstas nos artigos 186[1] e 927[2] do Código Civil.

Nesse viés, nem mesmo o processo seletivo para o preenchimento de cargos públicos, qual seja, o concurso público por provas, ou provas e títulos, modelo adotado pela Administração Pública como forma de dar igual oportunidade a todos que tenham interesse em exercer a função pública, nos termos do art. 37, II, da CF/88, está livre dessa prática repreensível e abusiva.

Em recente decisão[3] proferida pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região, a União foi condenada ao pagamento de indenização pelos danos morais causados a candidato que teve sua nomeação tardia, decorrente de sua eliminação ilegal no curso de formação para o cargo de Agente da Policia Federal por “suposta homossexualidade”, comportamento este que seria incompatível com o exercício da função pública.

Como bem ponderado pelo Desembargador Souza Prudente, relator do acórdão, foi reconhecido o direito a indenização tendo em vista a conduta arbitrária, injusta e infundada em classificar o candidato como homossexual e eliminá-lo do concurso, invadindo sua intimidade e ferindo sua honra e imagem, em violação à sua vida privada. Ademais, ainda que o candidato fosse homossexual, tal situação discriminatória não poderia servir como amparo para impedir o seu ingresso no serviço público, já que tal conduta é repudiada pela Constituição Federal.

Assim, o candidato ao cargo público deve estar atento a qualquer prática abusiva e discriminatória que venha a ser efetivada pela Administração nas diversas fases do certame e que venham a lhe causar danos, tanto na esfera de sua honra, imagem e vida privada, quanto por questões de raça, opção sexual, gênero, dentre outras hipóteses.

Portanto, por pior que seja a situação, mostra-se imperiosa a necessidade de se propor ação judicial com vistas não só a obtenção da reparação do dano, mediante a condenação do responsável ao pagamento de indenização condizente com as violações praticadas, mas também para coibir essa prática abusiva no âmbito da Administração Pública

*Por Daniela Roveda


 

[1] Código Civil. Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[2] Código Civil. Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[3] AC 00330419420084013400. TRF 1ª Região. Quinta Turma. Rel. Des. Souza Prudente. DjE 23/10/2014; AC 00364273520084013400. TRF 1ª Região. Quinta Turma. Rel. Des. Fed. Joao Batista Moreira. DjE 05/03/2015.

 

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