Anulação de questões objetivas devido a erro invencível ou grosseiro

Inicio este texto com a seguinte indagação: O que seria um erro invencível ou grosseiro?

Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[1] , o vocábulo invencível significa: “Adj.2g. 1 Que não se pode vencer. 2 Que não se pode refrear; irresistível”. Ainda, para grosseiro traz a seguinte significação: “Adj.Sm. 1 – Que (m) é indelicado, rude. Adj.2 Malfeito 3 indecente.”. Por fim, erro significa: “/ê/ Sm. 1Engano 2 Incorreção 3 Falha 4 Pecado – Errôneo Adj.”.

Portanto, um erro invencível ou grosseiro trata-se de um engano, uma incorreção ou falha que não se pode vencer ou corrigir, porém não uma falha qualquer, mas uma falha rude, que foge aos limites da decência, que ultrapassa aquilo que é tido como comum ao ser humano.

Entretanto, ao discutirmos a possibilidade de anulação de uma questão objetiva em um concurso público, eivada de erro tão grave que chega a ser grotesco, encontramos certo obstáculo.

Este diz respeito à jurisprudência já pacificada no Superior Tribunal de Justiça e nos diversos Tribunais pátrios, no sentido de que o Poder Judiciário não poderia se imiscuir nas correções de provas de Concursos Públicos, mas somente analisar a legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do concurso, sendo vedado o exame dos critérios de formulação dos itens, de correção de provas e de atribuição de notas aos candidatos, matérias de responsabilidade da banca examinadora. Vejamos:

EMENTA: MÉRITO – CONCURSO PÚBLICO – RECURSO ADMINISTRATIVO VISANDO A ANULAÇÃO DE QUESTÕES – CORREÇÃO DE PROVA OBJETIVA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO EDITAL – ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA – ATO QUE NÃO SE REVELA DESARRASOADO – INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO. – É defeso ao Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo para análise da conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato praticado, sob pena de substituir os deveres próprios do administrador, estando seu controle circunscrito aos aspectos de legalidade.

– Não restando demonstrado o direito líquido e certo do impetrante à anulação de questões da prova objetiva do certame para o qual concorreu, com a consequente concessão dos pontos ao candidato, haja vista que o ato administrativo de indeferimento do recurso administrativo por ele apresentado encontra-se devidamente fundamentado, inexistindo demonstração de eventual ilegalidade na elaboração das questões pela banca examinadora do certame, ou mesmo de abuso na sua correção, a denegação da ordem vindicada se impõe[2] .

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ENSINO SUPERIOR – VESTIBULAR – MANDADO DE SEGURANÇA – APROVAÇÃO EM SEGUNDA FASE DO CERTAME POR FORÇA DE LIMINAR – APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO – IMPOSSIBILIDADE – NULIDADE DE QUESTÃO DA PROVA OBJETIVA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO EFICAZ DE FUNDAMENTO SUFICIENTE – SÚMULA 283/STF.

1. A mera aprovação do candidato em fase secundária ou final do certame público, por força de decisão liminar precária, não autoriza a aplicação da teoria do fato consumado, pois não supre a exigência de que haja aprovação em todas as fases previstas no edital.

Precedentes do STJ.

2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a competência do Poder Judiciário limita-se ao exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do concurso, sendo vedada a análise dos critérios de formulação de questões, de correção de provas, atribuição de notas aos candidatos, matérias cuja responsabilidade é da Administração Pública, excepcionadas as situações em que o vício da questão objetiva se manifesta de forma evidente e insofismável.

3. Hipótese em que o acórdão recorrido adotou, ainda, como fundamento autônomo, a legitimidade da insurgência do candidato quanto à questão apontada como viciada na primeira etapa do processo seletivo, com base nas provas carreadas aos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

4. Ainda que esta Corte acolhesse um dos argumentos do recorrente, referente a aplicação da teoria do fato consumado na situação em comento, ficaria incólume o fundamento da sentença e do aresto impugnado, relativo à legitimidade da insurgência contra a questão da prova objetiva.

5. É inadmissível o recurso especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recorrente não consegue infirmar todos eles. Incidência, por analogia, da Súmula 283/STF.

6. Recurso especial não conhecido. [3] ”(grifou-se)

Como se pode ver, os casos trazidos á baila demonstram o firme propósito dos Tribunais, em evitar ao máximo a incursão do Poder Judiciário no chamado “Mérito do Ato Administrativo”, o qual deve ter seus vícios dirimidos pela Banca Examinadora do Concurso Público em questão.

De qualquer maneira, chama-nos a atenção um período presente na segunda ementa acima citada: “… excepcionadas as situações em que o vício da questão objetiva se manifesta de forma evidente e insofismável.”. Ora, quando o vício da questão objetiva se posta em evidência e é insofismável, ou seja: “Adj. 2g. Indiscutível, incontestável.”, têm-se, por óbvio um erro que escapa ao limite decente do conhecimento humano, que se demonstra por demais inconcebível para ser justificado, reparado. É, portanto, erro invencível e grosseiro.

Assim, por uma excepcionalidade, é admitida a intromissão do Poder Judiciário para tentar sanar tal nulidade, veja-se:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PROVA OBJETIVA. RECONHECIMENTO DE ERRO MATERIAL NA ELABORAÇÃO DE QUESTÕES. MATÉRIA ESTRANHA AO EDITAL. ERRO FLAGRANTE. ADMISSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.

1. Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a rigor, “não compete ao Poder Judiciário, no controle da legalidade, substituir a banca examinadora para avaliar as respostas dadas pelos candidatos e as notas a elas atribuídas” (MS 30.173 AgR/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 01/08/2011).

2. É admissível, excepcionalmente, a revisão dos critérios adotados pela banca examinadora nas situações em que configurado erro crasso na elaboração de questão (STJ, RMS 33.725/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe de 26/04/2011; REsp 731.257/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 05/11/2008).

3. Sendo constatado erro grosseiro relativo às questões de nº 67 e 76 da prova objetiva do concurso para o cargo de Policial Rodoviário Federal (Edital n. 1/2009), visto que abordaram conteúdos não exigidos expressamente pelo edital é justificável a excepcional interferência deste Judiciário quanto à correção da prova.

4. A ausência de observância das questões analisadas às regras previstas no edital impõe a sua anulação pelo Judiciário, cabendo à Administração providenciar a recontagem dos pontos alcançados pelo impetrante e a sua reclassificação.

5. Apelação provida[4].

CONSELHO MAGISTRATURA. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. NULIDADE QUESTÃO OBJETIVA. Cediço é que a anulação de questão objetiva de concurso público pelo Judiciário somente há de se operar excepcionalmente, nos casos de flagrante erro material da mesma ou de desrespeito às normas editalícias, não sendo cabível sua atuação nas demais hipóteses em respeito ao princípio da separação dos poderes. Em se tratando de recurso administrativo que visa à anulação e/ou revisão de questão objetiva de concurso público de notários, já se manifestou este Conselho no sentido de que não é possível adentrar a discricionariedade da comissão examinadora. Assim, havendo respaldo doutrinário para o posicionamento adotado pela banca examinadora, a análise sobre as questões relativas aos concursos públicos não poderá adentrar sobre a discricionariedade da mesma, que se encontra livre para adotar a doutrina que entenda mais adequada[5].

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. QUESTÃO OBJETIVA. ERRO MATERIAL. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. O concurso público é o meio mais legítimo, democrático, idôneo e eficiente de investidura no serviço público. Ao empregar um critério objetivo, impessoal e meritório, afasta os privilégios e favoritismos que, lamentavelmente, ainda contaminam alguns setores da Administração Pública. A anulação de questão objetiva de concurso público pelo Poder Judiciário somente há de se operar excepcionalmente, nos casos de flagrante erro material da mesma ou de desrespeito às normas editalícias, não sendo cabível sua atuação nas demais hipóteses, em respeito ao princípio da separação dos poderes.

Destarte, latente o erro material no enunciado da questão, comprovado, inclusive, por meio de perícia, há de ser declarada a nulidade da mesma, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça.[6].

Como exemplo de tal equívoco, citamos o voto da Exma. Ministra Eliana Calmon, do STJ, que, no RMS n. 2408/MG[7], traz o seguinte entendimento:

O mero confronto entre as questões da prova e o edital pode ser suficiente para verificar a ocorrência de um defeito grave, considerando como tal não apenas a formulação de questões sobre matéria não contida no edital, mas também a elaboração de questões de múltipla escolha que apresentam mais de uma alternativa correta, ou nenhuma alternativa correta, nas hipóteses em que o edital determina a escolha de uma única proposição correta.

Por conseguinte, em situações excepcionais, em que os vícios constantes de questões objetivas não puderem ser sanados, ou seja, sejam tão graves, a ponto de representarem flagrante erro material, ou ainda, tratarem de matéria não prevista em edital, em óbvio desrespeito à chamada “lei que rege os certames públicos”, será admitida a intromissão do Poder Judiciário, para anular a questão objetiva eivada de erro invencível ou grosseiro, tão pernicioso à idoneidade e à legitimidade do Concurso Público.


[1] HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro Salles. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª Ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

[2] Excerto de ementa retirado de: Ap Cível/Reex Necessário  1.0024.12.028022-7/001, Relator(a): Des.(a) Elias Camilo , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/07/2013, publicação da súmula em 15/07/2013

[3] REsp 1333592/RS, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 23/11/2012

[4] AMS , DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:10/08/2012 PAGINA:820.

[5] Recurso Administrativo  1.0000.09.503576-2/000, Relator(a): Des.(a) Maria Elza , CONSELHO DA MAGISTRATURA, julgamento em 04/12/2009, publicação da súmula em 05/03/2010

[6] Apelação Cível 1.0024.01.600461-6/001, Relator(a): Des.(a) Maria Elza , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/02/2009, publicação da súmula em 13/03/2009.

[7] RMS 24.080/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 526

Por Daniel Hilário

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