Concurso público apenas com cadastro de reserva. Fraude ao dever de nomear

A jurisprudência dos Tribunais, com destaque para o Supremo Tribunal Federal, possui entendimento consolidado no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital possui direito subjetivo à nomeação no prazo de validade do concurso.

Desse modo, a Administração Pública poderá escolher o momento em que ocorrerá a nomeação; todavia, não poderá dispor sobre a própria nomeação que, em conformidade com o edital, passa a constituir um dever imposto ao poder público, que somente poderá justificar o não cumprimento desse dever de nomeação do candidato aprovado em situações excepcionalíssimas (para justificar a situação extraordinária de não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é imperioso que a situação justificadora contenha as seguintes características: Superveniência, Imprevisibilidade, Gravidade e Necessidade) [1].

De outro lado, a Administração Pública dispõe de um importante artifício para proceder à realização de concurso público sem qualquer definição do número de vagas oferecidas no edital: o cadastro de reserva.

Através desse recurso, no prazo de validade do concurso, a Administração pode, à medida que surgem vagas, nomear os candidatos aprovados.

Ocorre que, nos últimos anos, tem-se observado um crescente abuso na utilização desse mecanismo pela Administração Pública, pois, não raro, os concursos públicos oferecem, quando da publicação dos seus editais, unicamente, o cadastro de reserva. Esse fato, inevitavelmente, tem despertado algumas dúvidas: qual a razão de tantos concursos públicos com apenas cadastro de reserva? Será que não existem cargos vagos (em decorrência de servidor exonerado, removido, etc.) ou, ainda, mão-de-obra terceirizada, contratada a título precário, para desempenhar as funções inerentes ao cargo para o qual há candidato habilitado em concurso público? A vulgarização do cadastro de reserva nos concursos públicos poderia ser uma forma de abrir oportunidade à fraude ao dever de nomear?

Essas perguntas, inevitavelmente, trazem à tona princípios basilares que devem reger o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público, entre eles, o princípio da boa-fé, que exige a observância irrestrita às regras do edital, aqui incluída a previsão de vagas do certame.

Destaca-se também o princípio da impessoalidade, uma vez que o Estado deve buscar o interesse público; assim sendo, é grave a possibilidade de deixar à Administração a decisão de nomear o número de candidatos que bem entender.

O princípio da publicidade também se sobressai, porque os candidatos, submetidos a concurso público com cadastro de reserva, são privados do direito de conhecer o número de vagas disponíveis para as quais estarão concorrendo, restando ausente, portanto, ampla divulgação dos atos da Administração.

E, por fim, com realce, o princípio da moralidade, que surge gritante nesse debate, porque não é preciso muita imaginação para se perceber que concurso público com apenas cadastro de reserva poderá ensejar muitas oportunidades de cometimento de fraudes pela autoridade administrativa.

Em precedente do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no RMS 33426/RS) [2] , que guarda sintonia, inclusive, com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, foi manifestado entendimento no sentido de que a realização do certame caracteriza o direito a, pelo menos, uma nomeação, ainda que inexistentes vagas no edital de abertura[3].

Com isso, importante notar que o entendimento dos Tribunais Superiores, acerca da matéria, tem prezado pela cidadania e reforçado o princípio constitucional do concurso público, que se encontra fortalecido sempre que a Administração Pública observa e cumpre as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio, assegurando, por conseguinte, a segurança jurídica, guia do Estado de Direito.


[1] Nesse sentido, esclarecedor é o julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE 598.099-MS, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, publicado em 03/10/2011.

[2] STJ, AgRg no RMS 33426/RS, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe 30/08/2011.

[3] Nesse mandado de segurança, discutiu-se sobre o direito à nomeação de uma candidata classificada em 1º lugar para um determinado cargo com previsão de vagas em cadastro-reserva, sendo que o prazo de validade já havia se esgotado. De acordo com o STJ, ainda que se considerasse o fato de o edital não ter fixado o número de vagas a serem preenchidas com a realização do concurso, é de se presumir que, não tendo dito o contrário, pelo menos uma vaga estaria disponível à primeira colocada na ordem de classificação, que teria direito subjetivo à nomeação e posse no cargo almejado e não mais expectativa de direito. Ademais, o fato de não ter havido preterição ou nomeação de caráter emergencial, por si só, não afastaria o direito líquido e certo à nomeação.

 

Be Sociable, Share!
One Comment