Deficiência física e (in)compatibilidade com as atribuições do cargo público: quais são os meus limites e garantias?

O acesso aos cargos públicos por pessoas com deficiência é, ainda, tema que enseja debates. Aparentemente, há um choque de dois princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade de oportunidades no concurso.

Diante do conflito aparente entre esses dois princípios, é possível que alguns concursos, porque requerem habilidades especiais dos candidatos, suprimam a quota para candidatos com deficiência? Em que medida é questionável a decisão da junta médica que indeferiu a continuidade de participação no certame do candidato em decorrência de sua deficiência?

O conceito de igualdade mais utilizado, entretanto, parte do pressuposto de que as pessoas não são iguais. Pelo contrário, todos são diferentes, dotados de características e limitações próprias.

Por esse motivo, Rui Barbosa foi consagrado pela máxima: “tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Por meio da compreensão material de igualdade e na tentativa de estender as mesmas oportunidades às pessoas com deficiência quanto ao ingresso no serviço público, foram editados diplomas normativos específicos.

A Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos da União) estabeleceu que “às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.”.

Ao consideramos que determinados ofícios exigem a plena habilidade física, motora e sensorial dos integrantes da carreira a reserva de percentual específico aos portadores de necessidades especiais poderia ser dispensada?

Errado! O Supremo Tribunal Federal já decidiu, ao julgar o concurso da Polícia Federal, que a obrigatoriedade da destinação de vagas em concurso público aos portadores de necessidade especiais é expressa e intransponível, nos termos da Constituição Federal.

O Supremo também fez menção ao Decreto 3.298/1999, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, prevê: “Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador”.

A ideia, como ilustrou a ministra Carmen Lúcia, é “viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos, permitindo, a um só tempo, que pessoas com necessidades especiais participem do mundo do trabalho e, de forma digna, possam manter-se e ser mantenedoras daqueles que delas dependam.”.

A presunção feita pela Polícia Federal, nos editais dos concursos públicos para delegado e agente, de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas com deficiência, conforme já mencionado, está em desacordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

Cabe à Administração Pública, seguindo critérios objetivos previstos em lei e reproduzidos no edital do concurso, avaliar de forma individualizada se as limitações dos candidatos efetivamente comprometem o desempenho das atividades do cargo pretendido.

Assim, o candidato inscrito na condição de pessoa com deficiência que for eliminado do concurso público após exame médico admissional, em decorrência da incompatibilidade de sua deficiência com as atribuições do cargo pleiteado, deve ficar atento.

O Superior Tribunal de Justiça já proferiu entendimento no sentido de assegurar a reserva de vagas nessas situações, par que o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo seja realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório.

Isso porque é no estágio probatório que a pessoa com deficiência poderá demonstrar sua adaptação ao exercício do cargo. Cumpre lembrar que tal adaptação também pauta-se nos critérios de assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade do servidor.

A generalização de que as atribuições de determinado cargo não poderiam ser exercidas por pessoas com deficiência é ato de discriminação por parte da Administração Pública, que, no entanto deveria ter a sua atuação isenta de qualquer conceito de valor, pautada na indisponibilidade do interesse público, que enseja a integração dessas pessoas.

 Por Mariana Maroneze

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