Deficiência mental e direito à participação nas cotas de deficiência em concurso público
Em uma sociedade ainda distante do ideal de igualdade entre seus cidadãos, é constante o debate sobre meios de inclusão daqueles que se encontram à margem das chances profissionais e da vida social. Nesse contexto, e considerando que hoje muitas doenças da contemporaneidade atingem a estrutura mental dos indivíduos de forma crescente, é legitimo perguntar se tais pessoas podem ser inseridas no serviço público através de concurso.
A primeira iniciativa de equilibrar as seleções dos concursos públicos ocorreu com a previsão de reserva de vagas aos portadores de deficiência, conforme disposição do artigo 37 inciso VII da Constituição Federal de 1988, que outorgou à lei a função de estabelecer percentual de cargos e funções destinados aos portadores de deficiência.
Com a edição do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, perpetrada pela Lei nº 8.112/90, foi então fixado o percentual de reserva em até 20% das vagas aos portadores de deficiência cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que sejam portadores, nos termos do art. 5º, §2º.
Fixados esses parâmetros, foi então editado o Decreto nº 3.298/99, instituindo a Política Nacional de Proteção aos Portadores de Deficiência. Em seu artigo 4º, inciso IV, a deficiência mental é definida como o funcionamento intelectual menor que a média manifestada antes dos dezoito anos com limitações associadas a duas entre as seguintes possibilidades: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho.
Como se pode perceber a definição do conceito de deficiência mental é bastante amplo, abrangendo inclusive as chamadas doenças da modernidade tais como a depressão, ansiedade, transtorno bipolar e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Segundo pesquisas realizadas pela Organização Mundial de Saúde[1], cerca de 10,8% da população brasileira sofre de depressão, a maior proporção do mundo, 4%[2] sofre de transtorno bipolar.
O Conselho Nacional de Justiça editou o Enunciado Administrativo n° 12/2009 determinando que os concursos para provimento de cargos do Poder Judiciário deverão assegurar a reserva de vagas a candidatos portadores de deficiência não inferior a 5% nem superior a 20% do total de vagas oferecidas no certame. É vedado o estabelecimento de nota de corte e observada a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato.
Ora, diante de todo esse acervo normativo, pode-se concluir que é perfeitamente possível a disputa de cargos públicos no percentual destinado aos candidatos portadores de deficiência por aqueles que são cometidos por deficiência mental, desde que se enquadrem no conceito do art. 4º do Decreto 3.298/99 e haja compatibilidade entre a deficiência existente e as atribuições do cargo almejado.
Apesar disso, muitos candidatos portadores de deficiência acabam barrados na etapa da avaliação médica que antecede a efetivação da nomeação no cargo, prática esta que vem sendo rechaçada pelo STJ[3]e Tribunais Regionais Federais, na medida em que a eventual incompatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência apresentada somente pode ser avaliada de forma legítima por equipe multiprofissional, a ser realizada durante o estágio probatório[4].
Por Daniela Roveda
[1] Informação divulgada no artigo Mapa da Depressão: Brasil é o país com mais casos no mundo. Revista Galileu.
[2] Informação divulgada pela Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, segundo notícia.
[3] (STJ. Quinta Turma. REsp 1179987/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, julgado em 13/09/2011, DJe 26/09/2011)
[4] TRF 2ª Região. Oitava Turma Especializada. AC 201051010018223, Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, E-DJF2R – Data::11/11/2013.