Em quais circunstâncias é possível a anulação de questões em concurso público?

Como regra, é proibido ao Poder Judiciário o reexame dos critérios utilizados pela banca examinadora na formulação das questões, correção e atribuição de notas em provas de concursos públicos.  Esse é o entendimento presente nos inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF)[1]. O Judiciário deve ficar restrito à análise da legalidade e da observância das regras contidas no edital, tendo presente a discricionariedade da Administração Pública (que consiste na liberdade que a lei concede em algumas situações para que o gestor decida, utilizando como parâmetros padrões de conveniência e oportunidade, observados os interesses públicos) na fixação dos critérios em normas reguladoras do certame, que deverão atender aos preceitos instituídos na Constituição Federal.

Em outras palavras, ao Judiciário compete, tão-somente, a verificação de questões pertinentes à legalidade do edital e ao cumprimento das suas normas pela comissão responsável, não podendo substituir a banca examinadora, avaliar questões, ou determinar a modificação do gabarito divulgado pela entidade responsável pela aplicação das provas [2]. É confiado ao Judiciário o controle da legalidade formal do concurso público, e sua intervenção na hipótese de erro grosseiro.

Na prática, as possibilidades da anulação de questões de concursos públicos pelo Poder Judiciário envolvem a possibilidade de correção de vícios de natureza formal, como, por exemplo, contagem equivocada de pontos (erro aritmético), ausência de correção de quesitos, inclusão na prova de matéria não prevista no edital, desobediência à ordem de classificação do edital e violação a regras do edital.

Alguns atos da Administração podem se afastar do princípio da segurança jurídica e dos seus limites legais de atuação. Nesses casos, abre-se a possibilidade de apreciação de impugnação pelo Poder Judiciário, sem qualquer prejuízo ao princípio da separação harmônica dos poderes.

Os candidatos prejudicados podem recorrer ao Judiciário em observância ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle judicial, artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Em situações excepcionais, então, em que há flagrante ilegalidade de questão objetiva de uma prova de concurso público, por ferir as normas estabelecidas pelo edital do certame, admite-se sua anulação por ofender o princípio da legalidade [3].

Por último, cabe ressaltar que a adequada via eleita pelo advogado, para representar o interesse do candidato em Juízo, é de fundamental importância, porque, na hipótese da anulação de prova e consequente alteração de nota de concurso público, poderá ser imprescindível o deslinde de questões controvertidas e que demandam dilação probatória, razão pela qual o mandado de segurança [4] não constituirá o meio adequado.

Por mais evidente que isso possa parecer aos profissionais da área, esse equívoco, que acaba por acarretar a extinção do processo sem resolução do mérito, repete-se com apreciável frequência no Judiciário.

Por Karin Prediger


 

[1]Importante, a título de exemplo, julgado oriundo da Corte Suprema (STF):

EMENTA: – Recurso extraordinário. Concurso público. – Também esta Corte já firmou o entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade, que é o compatível com ele, do concurso público, substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas a elas (assim no MS 21176, Plenário, e RE 140.242, 2ª. Turma). Pela mesma razão, ou seja, por não se tratar de exame de legalidade, não compete ao Poder Judiciário examinar o conteúdo das questões formuladas para, em face da interpretação dos temas que integram o programa do concurso, aferir, a seu critério, a compatibilidade, ou não, deles, para anular as formulações que não lhe parecerem corretas em face desse exame. Inexiste, pois, ofensa ao artigo 5º, XXXV, da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido.

(STF – RE 268244/CE, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/05/2000, DJ 30/06/2000).

[2]STJ – AgRg no RMS 26.999/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 23/03/2009.

STJ – RMS 21.617/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 16/06/2008.

[3]REsp 935222/DF, Rel. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 90.

[4] O Mandado de Segurança é uma ação que serve para resguardar Direito líquido e certo, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, que seja negado, ou mesmo ameaçado, por autoridade pública ou no exercício de atribuições do poder público.

Considera-se direito líquido e certo aquele que pode ser provado simplesmente por documentos e para constatá-lo o juiz não precisará de maiores delongas processuais em busca de outras provas. Em outras palavras é aquele que se demonstra através da chamada prova pré-constituída. Direito líquido é aquele sobre cujo conteúdo não há dúvida e cuja existência é clara. Direito certo é aquele que não está condicionado a nenhuma circunstância, podendo ser plenamente exercido no momento da impetração do mandado.

 

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