Fui selecionado para os testes de aptidão física em um concurso, mas tive um imprevisto, posso solicitar a remarcação de meu exame?

Imagine-se na seguinte situação: Concursando, aprovado para os testes de aptidão física no concurso público para o qual você passou anos estudando, sofre um acidente dias antes dos exames, cujas sequelas e necessidade de tratamento lhe impede de tomar parte neste etapa específica do concurso, sem que haja risco de agravamento das lesões. Como proceder? Será necessário desistir do certame?

Tendo em vista que, em sua maciça maioria, as bancas organizadoras de concurso preveem a eliminação de candidatos caso não participem de alguma etapa do certame[1], provavelmente não surtirá efeito solicitar administrativamente a remarcação do exame físico, pois certo será o indeferimento do pedido.

Dessa forma, a saída seria buscar a via judicial para a resolução do caso, um procedimento célere, no qual poderia ocorrer o deferimento de uma liminar, ordenando a imediata remarcação do teste, ou a suspensão de sua realização, por motivo de força maior. Sim, um Mandado de Segurança, remédio constitucional que protege direitos líquidos e certos, não resguardados por Habeas Corpus e Habeas Data.

Nestes casos, é possível encontrar a justaposição entre dois Princípios Constitucionais do Direito Administrativo, quais sejam, o da Isonomia e o da Razoabilidade.

O primeiro, insculpido no caput do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”. Assim, nos dizeres de Gilmar Ferreira Mendes[2]: “Significa, em resumo, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.”.

Em análise apressada, poder-se-ia imaginar que as diversas bancas de concursos estivessem corretas ao negar os pedidos de remarcação dos testes de aptidão física, tendo em vista que os editais dos certames (apelidados de “leis dos concursos”), prévios à realização de quaisquer exames, traziam a previsão da eliminação em caso de não participação em quaisquer etapas do mesmo. E que quem se inscreveu, mesmo assim, teria noção daquilo que poderia acontecer.

Porém, observe-se que, para além da igualdade de todos perante as leis e atos normativos, conforme ensinado pelo supracitado autor, deve-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. E é nesse momento em que surge o outro princípio acima citado, o da Razoabilidade.

Tal se encontra estampado no caput do art. 2º da lei 9.784/99[3], e, conforme ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello[4]: “Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga de competência exigida.”.

Assim, tanto a Administração Pública, quanto as empresas selecionadas para realizar os concursos para preencher os cargos disponíveis (porque escolhidas mediante licitação para, por meio de processo idôneo, selecionar os agentes melhor capacitados para exercer a função pública) devem agir de forma razoável, respeitando os iguais e desiguais, isonomicamente.

Não há Isonomia nem Razoabilidade em casos em que se quer obrigar candidatos a se submeterem a testes físicos que podem atentar contra sua saúde. Ora, essa mesma saúde é direito constitucionalmente garantido, conforme art. 196[5] da Carta Magna da República, e não há razão alguma para a Administração, em detrimento deste direito, ordenar que os candidatos aos cargos que oferta, a coloquem em risco, e se exima de qualquer responsabilidade.

Saliente-se, entretanto, que a possibilidade da remarcação de tais testes está estritamente ligada à ocorrência de caso de força maior, capaz de trazer riscos à integridade física do candidato. Ou seja, conforme jurisprudência, tal remarcação não poderá se dar em outros casos, mas somente naqueles em que houver a apresentação de documentos idôneos comprovando a possibilidade de risco à saúde do participante.

Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça é pacífica, explicitando que a remarcação de teste de aptidão física não fere o princípio da Isonomia, em casos de força maior que atinjam a higidez física do candidato, devidamente comprovada mediante apresentação de documentação idônea. Como exemplo, cite-se o REsp. n. 201102749311, em que o candidato, em concurso da Polícia Militar do Paraná para Soldado, se viu impedido de participar dos testes físicos, tendo em vista ter se envolvido em acidente ocorrido a 9 dias da realização dos exames.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal também possuía entendimento favorável sobre este tema. Assim, é possível encontrar, inclusive, decisões monocráticas sobre o assunto, em que, com base em julgados anteriores, os Recursos Extraordinários que, instruídos com documentos idôneos comprobatórios do caso fortuito, ou da força maior, eram decididos no sentido da remarcação das provas físicas.

Porém, ao ser recebido o REXT. n. 630.733 e, diante de recursos repetitivos com esta matéria, publicou-se decisão em 05 de abril de 2011, em que decretou a Repercussão Geral do Tema, com os seguintes dizeres: “A possibilidade de remarcação de teste de Aptidão Física para data diversa da estabelecida por edital de concurso público, em virtude de força maior que atinja a higidez física do candidato, devidamente comprovada mediante documentação idônea, é questão que deve ser minuciosamente enfrentada à luz do princípio da Isonomia e de outros princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública. Repercussão Geral reconhecida”.

Conforme último andamento processual, datado do dia 2 de maio do presente ano, este incidente foi incluído em pauta para análise do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Assim, aproxima-se a decisão que pacificará, de vez, o entendimento unânime da Jurisprudência Pátria, ou ocasionará mudança radical no trato da presente matéria.

1)    RMS 37.328/AP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2013, Publicado em 02/04/2013;

2)    Agravo em Recurso Extraordinário 598759 – STF –, Ministra CÁRMEN LÚCIA;

3)    REsp 1293721/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/04/2013, Publicado em 10/04/2013;

4)    RMS 28.400/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2013, Publicado em 27/02/2013;

5)    AC 200451020048893, Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, TRF2 – QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Publicado em 12/12/2007;

6)    AI 825545 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, Publicado em 06/05/2011;

7)    RE 598759 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009, Publicado em 27/11/2009;

8)    RE 626637, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 26/06/2012, Publicado em 01/08/2012;

9)    AI 844199, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 03/05/2011, Publicado em 11/05/2011;

10) RE 609109, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 02/03/2011, Publicado em 28/03/2011.


[1] Chegando-se ao absurdo caso relatado no julgamento do ROMS n. 201200499169, no qual a candidata gestante teria de comparecer aos testes de aptidão física, em igualdade com as demais candidatas, após a firma de termo de responsabilidade pessoal por eventual dano físico.

[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 2. Ed. Rev. e Atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. Página 157.

[3]Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 26. Ed.Rev. e Atual. – São Paulo: Malheiros, 2008.

[5] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Por Daniel Hilário

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