A (In)constitucionalidade da cláusula de barreira em concurso público

Você, concurseiro, imagine-se na seguinte situação: após a realização de provas no tão almejado concurso, logra êxito na primeira fase e aguarda ansiosamente pela convocação da banca para a próxima etapa do certame quando, ao ser publicada a lista, verifica que seu nome não está dentre aqueles considerados aptos para prosseguir na disputa do cargo. Isso porque, apesar de aprovado na primeira fase, você não conseguiu obter a classificação mínima para continuar na disputa da vaga, em decorrência da chamada cláusula de barreira, prevista no edital.

Muitos concursos, hodiernamente, trazem em seu edital a previsão da cláusula de barreira ou afunilamento, de modo a permitir a continuidade nas fases subsequentes do certame apenas àqueles candidatos que obtiverem melhor classificação, dentre o número previamente estabelecido de candidatos aptos a prosseguir na próxima fase. Em outros termos, referida cláusula, ao estabelecer condições de passagem de candidatos de uma fase do concurso a outra, admite a continuidade no certame de um número determinado de candidatos, mediante, por exemplo, a fixação de ponto de corte, ou seja, somente poderão seguir no concurso os candidatos que obtiverem a nota x, dentro de um universo de 300 provas.

Na situação ora examinada, estamos diante de um interessante conflito entre princípios constitucionais, de um lado, a Administração Pública, em nome dos princípios da celeridade e economicidade, cria a cláusula de barreira, visando selecionar os candidatos melhores capacitados para o exercício da função pública, e de outro, o direito dos candidatos, resguardado pelo princípio da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos públicos, nos termos dos artigos 5º e 37, I, da Constituição Federal.

Nesse contexto, é certo que o processo seletivo dos futuros representantes do Poder Público, os quais exercerão a atividade administrativa, deve primar pela eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, mediante a seleção dos candidatos melhores preparados para tanto, garantindo a mesma oportunidade a todos os interessados, e não pela celeridade e economicidade.

Ora, a existência de nítido conflito de interesses legitima o acesso de candidatos ao Judiciário, de modo que este resolva tal impasse, avaliando se a previsão de tal cláusula é ou não legítima.

A primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal a esse respeito ocorreu por ocasião do julgamento de Recurso em Mandado de Segurança n° 23586[1], onde foi reconhecida a constitucionalidade da cláusula de afunilamento, já que esta evidencia um critério distintivo razoável por se basear no desempenho individual de cada candidato, com diferenciação de acordo com critérios meritórios, justificado pelo maior objetivo dos concursos públicos: a seleção dos melhores candidatos. Também foi destacado que a cláusula se justifica por uma necessidade prática da Administração, estando ela de acordo com os princípios que regem a atividade administrativa: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no art.37 da Constituição Federal.

Em nova apreciação do tema, o STF, ao julgar o Mandado de Segurança n° 30195[2]-DF, reconheceu a constitucionalidade da utilização de cláusula de barreira para a seleção de candidatos portadores de deficiência, desde que estabelecida com razoabilidade. No caso, todos os candidatos foram submetidos à cláusula de barreira, sendo que o ponto de corte foi diferenciado aos portadores de deficiência, face à peculiaridade que lhes é inerente.

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes entendendo como legítima a fixação de cláusula de barreira em edital, não havendo que se falar em violação ao princípio da isonomia quanto os mesmos critérios de classificação forem aplicados a todos os candidatos do certame[3].

Recentemente, a Corte Suprema, diante da evidente relevância jurídica e social da questão, submeteu a temática quanto à constitucionalidade da cláusula de barreira em concursos públicos a sistemática da repercussão geral, nos autos do Recurso Extraordinário nº 635.739[4]-AL. No caso analisado, o candidato, embora aprovado na prova objetiva e no teste de aptidão física, não foi classificado para a fase do exame psicotécnico, em razão de cláusula de barreira prevista no edital do certame, estipulando que apenas seriam classificados a quantidade de candidatos correspondente ao dobro do número de vagas ofertadas, entre as quais não se incluiu o recorrente. Assim, será examinada a constitucionalidade ou não da referida cláusula, à luz dos princípios da isonomia e amplo acesso aos cargos públicos, previstos no art.5, caput e 37, inciso I, da CF/88.

Ora, por tudo que foi dito, resta evidente que a cláusula de barreira limita o prosseguimento de candidatos aptos a continuarem no certame, em violação a ampla acessibilidade aos cargos públicos, garantida pela norma constitucional. Além disso, a aplicação de tal medida restritiva não garante que os candidatos que participarem das fases subsequentes serão efetivamente aprovados.

A questão gera intenso debate, devemos aguardar a manifestação definitiva do STF sobre o tema, ocasião em que, por certo, os princípios da eficiência administrativa, isonomia e ampla acessibilidade aos cargos públicos deverão preponderar sobre os princípios da celeridade e economicidade, de modo que, de fato, seja garantida a seleção dos candidatos melhores preparados para o desempenho da função pública.

Por Daniela Roveda


[1] STF. RMS 23586. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 25/10/2011.

[2] STF. Informativo nº 672, de 25 a 29 de junho de 2012.

[3] STJ. AgRg no RMS nº 35.451-DF. Rel. Ministro Humberto Martins. DJe 26/03/2012.

[4] STF. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 635-739-AL. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 07/06/2013.

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