Inscrição no SPC, Serasa ou processo de execução por dívidas geram eliminação em concurso público?
A realidade de muitos estudantes que pretendem concorrer a uma vaga no serviço público é de dificuldade, principalmente a financeira. Nesse contexto, é comum que estes venham a ter seus nomes inscritos em cadastros restritivos de crédito ou até mesmo sofram processo de execução por dívidas. Diante dessa realidade, surge a dúvida: a inscrição no SPC, Serasa ou processos de execução por dívidas podem gerar a eliminação do concurso público?
De início, vale destacar que, em linhas gerais, a Lei 8.112/91 que regulamenta o regime jurídicos dos servidores públicos federais não exige, de forma expressa, que o candidato possua situação financeira equilibrada como requisito para investidura no cargo público, nos termos do art. 5 do citado diploma.
No entanto, referido dispositivo legal possui, em seu parágrafo primeiro, regra que pode ser utilizada como meio legitimador dessa exigência, eis que, a depender das atribuições do cargo, estas podem ser suficientes a justificar a exigência de outros requisitos, desde que estabelecidos em lei.
Ocorre que mesmo que haja previsão em lei que discipline os requisitos e atribuições do cargo no sentido de que a inscrição do nome do candidato em cadastro de inadimplentes de serviços de proteção ao crédito, como o SPC/SERASA, é hábil a descaracterizar a idoneidade do candidato, tal motivo não é capaz de gerar a eliminação em concurso público.
Esse é o entendimento que vem sendo manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça[1], no sentido de que seria desarrazoado e desproporcional eliminar candidato de concurso público unicamente pelo fato desde ter seu nome inscrito em cadastros restritivos de crédito ou sofrer processos de execução por dívidas.
Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal[2] entende que a exclusão de candidato que preencha os requisitos do edital do concurso público pela mera inscrição de seu nome em serviços de proteção ao crédito afronta os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Portanto, tanto a inscrição em cadastros restritivos de crédito como SPC e SERASA, como a existência de processos de execução do candidato por dívidas não podem servir de justificativa para gerar a eliminação do concurso público, já que afrontam os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, conforme firme entendimento do STF e STJ sobre o tema.
Por Daniela Roveda
[1]Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Policial militar. Decadência. Não configuração. Investigação social. Exclusão do candidato do curso de formação. Ofensa ao princípio da presunção de inocência.
1. O prazo para impetração do mandamus inaugura-se com a ciência pelo interessado do ato que lhe feriu o direito líquido e certo.
2. Segundo jurisprudência consolidada desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a existência de inquérito, ação penal, ou registro em cadastro de serviço de proteção ao crédito não são capazes de provocar a eliminação de candidato na fase de investigação social do concurso. Respeito ao princípio da presunção de inocência.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 24.283/RO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 08/06/2012)
Administrativo. Concurso público. Inabilitação na fase de investigação social. Existência de inquéritos policiais, ações penais em andamento ou inclusão do nome do candidato em serviço de proteção ao crédito. Princípio da presunção de inocência.
1. Não havendo sentença condenatória transitada em julgado, o princípio da presunção de inocência resta maculado, ante a eliminação de candidato a cargo público, ainda na fase de investigação social do certame, por ter sido verificada a existência de inquérito ou ação penal.
2. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido. (STJ. RMS 30.734. Quinta Turma. Rel. Ministra Laurita Vaz. Maioria. Dje 04/10/2011).(grifou-se)
[2] STF. AI 763.270. Min. Gilmar Mendes. DjE 04/04/2011.
Dra. Daniela Roveda, a minha dúvida é no sentido de concursos para magistratura federal. Tenho uma ME em meu nome (são meus pais que exercem de fato, pediram para abrir a empresa em meu nome na época em que eu apenas fazia a faculdade) no entanto, estou sofrendo processo de execução referente a dívidas que fizeram em nome da empresa. Neste caso, segue a mesma linha do seu Post acima?
Prezado Francisco,
Obrigado por nos consultar.
A investigação de vida pregressa visa apurar se o candidato é contumaz em práticas que o desabone, bem como se já praticou ilícitos penais.
Não seria a razoável tonar excluir o candidato na fase de investigação social, em virtude deste possui dívidas ou mesmo execução judicial de dívidas, tal fato não desabona o candidato a assumir cargo público, veja jurisprudência:
RECURSO DE APELAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. ELIMINAÇÃO. ILEGALIDADE. 1. Candidato ao cargo de policial militar, que aprovado nas provas a que se submeteu, foi eliminado do concurso na investigação social Previsão no edital – Ciência do candidato ao se inscrever. 2. Investigação social que apurou fatos não mencionados no formulário preenchido pelo autor: o de possuir um veículo e ter dívida em seu nome, além de duas multas de trânsito. Ausência de circunstâncias que desabonem o autor. Desproporcionalidade na medida. Ato anulado. Ação procedente. Recurso provido.(TJ-SP – APL: 00432070720118260053 SP 0043207-07.2011.8.26.0053, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 27/05/2013, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 11/06/2013)
CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. IDONEIDADE MORAL ABALADA PELA EXISTÊNCIA DE DÍVIDAS E EXECUÇÕES MOVIDAS CONTRA O CANDIDATO. EXCLUSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E EDITALÍCIA. NULIDADE DO AFASTAMENTO DO CANDIDATO. SENTENÇA MANTIDA. APELO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS. 1. O art. 37, inciso II, da Constituição da República, preceitua que ?a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração?. A exigência sob discussão (de idoneidade moral inatacável) é legal, com previsão no art. 8º, inciso I, do Decreto-Lei n. 2.320, de 26 de janeiro de 1967:?Art. 8º. São requisitos para a matrícula em curso de formação profissional, apurados em processo seletivo, promovido pela Academia Nacional de Polícia:I-ter procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, avaliados segundo normas baixadas pela Direção-Geral do Departamento de Polícia Federal?. 2. A situação sob exame é diferente, tendo em vista que não há dispositivo no edital do concurso que impeça o exercício do cargo de Agente da Policia Federal, por quem tenha contraído dívidas e não as conseguiu saldar em tempo hábil. 3. O impetrante foi excluído do concurso para o provimento de cargos de Agente de Polícia Federal em virtude de duas ocorrências constantes dos registros de sua investigação social, a saber: execução por título extrajudicial, ajuizada pela Seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil e uma ação de execução de prestação alimentícia. 4. Não há nenhum dispositivo no edital disciplinador do multicitado processo seletivo ou na legislação de regência, que impeça o exercício do cargo de Agente de Polícia Federal por quem tenha contraído dívidas. O contexto probatório dos autos evidencia o esforço envidado pelo demandante, no sentido de promover a quitação dos supracitados débitos. Tais circunstâncias revelam, por si sós, que não se trata de pessoa que, de modo voluntário, habitualmente descumpre obrigações legítimas, não sendo válida, por via de consequência, a conclusão de que a existência dos mencionados procedimentos cíveis possa ser subsumida à conduta descrita no art. 8º, alínea ?a? da Instrução Normativa nº 001/2004-DPG/DPF, que levou a sua exclusão do certame. 5. Apelação da União e remessa oficial improvidas.
(AMS 200634000348379, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 ? QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:31/07/2008 PAGINA:311.)
Nesse sentido, no momento da análise de vida pregressa, a Administração poderia decidir pela sua eliminação considerando a conduta inadequada ao exercício da função, o que, sob a nossa ótica, fugiria aos ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, podendo tentar reverter sua eliminação pela via administrativa e judicial.
Lembrando que o senhor não deve omitir as informação solicitadas pela administração do concurso, pois, a omissão de fatos relevantes no formulário de investigação social legitima a eliminação do candidato do concurso.
Estamos à disposição.
Atenciosamente,