Manutenção de candidato investido em cargo público por força de decisão judicial de caráter provisório pela teoria do fato consumado
Muitas vezes o candidato que está participando de um concurso se vale de ação judicial para continuar no certame, obtendo provimento judicial provisório para sua nomeação, posse e exercício no cargo público almejado. Ocorre que essas decisões possuem caráter precário, ou seja, podem ser canceladas.
Em vista disso, muitos candidatos que foram beneficiados com essa medida se recusam a deixar o serviço público após a revogação da decisão, ao argumento de que seria aplicável ao caso a teoria do fato consumado. Mas, pode o candidato ser efetivamente investido em cargo público por força de decisão judicial provisória, com fundamento na aplicação da teoria do fato consumado?
De início, deve-se destacar que a regra é de que a investidura em cargo público se dá mediante a aprovação em concurso público de provas e títulos, nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988: “Artigo 37. (…) II- a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Por sua vez, a teoria do fato consumado considera que situações consolidadas pelo decurso de tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser canceladas em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais[1]. Em outros termos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tal teoria somente será aplicada excepcionalmente, nos casos em que a concretização de situações inicialmente precárias se deu pelo transcurso de tempo, em razão da morosidade do Judiciário ou da inércia da Administração[2].
Assim, se uma decisão judicial autorizou determinada situação e, após muitos anos, constatou-se que a solução não era a mais adequada, ainda assim ela não poderá ser desconstituída.
Este é o entendimento dos tribunais, que aplicam a teoria do fato consumado apenas em casos excepcionais, para resguardar situações provisórias que acabaram se consolidando com o passar do tempo, a exemplo de candidatos que são nomeados para cargos públicos mediante o cumprimento de decisão judicial precária, que, posteriormente, é cancelada.
Aliás, em julgamento de causa específica sobre concurso público, o Superior Tribunal de Justiça[1] aplicou a teoria do fato consumado para garantir a manutenção de candidata que foi nomeada para o cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado do Mato Grosso do Sul, que participou do concurso por força de decisão liminar. No caso, foi considerado o decurso de tempo de 6 (seis) anos na ocupação do cargo, a boa-fé da candidata e a razoabilidade de sua situação já que as regras do edital eram dúbias, o que motivou a aplicação da teoria ao caso, mantendo a candidata no cargo.
Nesse ponto, vale a pena lembrar que, no Supremo Tribunal Federal, a questão é interpretada de modo diferente. É que, na mais alta Corte do país, entende-se pela
inaplicabilidade da teoria do fato consumado aos casos em que se discute a permanência no cargo público quando a posse tenha ocorrido de forma provisória, em razão de decisão judicial não definitiva[2].
Para os concursandos, as discussões sobre a aplicação da teoria do fato consumado são de extrema importância e complexidade. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal declarou a existência de “repercussão geral” do tema e irá decidi-lo de modo definitivo, muito em breve, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 608.482[3], que assim está anunciado: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ELIMINAÇÃO. POSSE/EXERCÍCIO EM CARGO PÚBLICO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL DE CARÁTER PROVISÓRIO. APLICAÇÃO DA CHAMADA ‘TEORIA DO FATO CONSUMADO’. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à aplicação da chamada ‘teoria do fato consumado’ a situações em que a posse ou o exercício em cargo público ocorreram por força de decisão judicial de caráter provisório
Devemos aguardar a palavra final do Supremo Tribunal Federal sobre a temática. O tema é polêmico, ainda mais em se tratando de concurso, em razão da crescente disputa por vagas no serviço público e o conflito entre os princípios da segurança jurídica e interesse do candidato que, ainda que precariamente, permanece por vários anos no cargo amparado por decisão judicial.
[1] STJ. REsp 709.934/RJ. Unânime. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. DJe 29/06/2007.
[2] STJ. AgRg no RMS nº 34.189/GO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, Unânime. DJe 21/08/2012.
[3] STJ. AgRg no RMS nº 24.366-MS. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 27/06/2012)
[4] STF. RE 405964 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli. Primeira Turma, Julgado em 24/04/2012.
[5] STF. Informativo nº 664 de 30 de abril a 04 de maio de 2012.
Assumi o emprego publico em Dezembro de 2005 por força de decisão judicial ganha em primeira instância. Ocorre que em junho de 2009 eu perdi o processo em segunda instância no TRF1 e em 2012 o processo subiu para o STJ onde aguarda julgamento. O meu advogado está usando a teoria do fato consumado para reverter a situação ao meu favor. Pergunta: Quais as chances da minha vitória nesse caso?
Prezado João!
Conforme destacado no artigo, não há definição na jurisprudência quanto a aplicação da teoria do fato consumado para viabilizar a manutenção de servidor no cargo público, no qual foi investido por força de decisão judicial.
O STJ, em situações excepcionais, admite a aplicação da teoria. O STF, por sua vez, ainda não se posicionou sobre o tema, mas reconheceu que o mesmo possui repercussão geral (RE 608.482).
Assim, não é possível afirmar se tal teoria será aplicada no seu caso, embora exista essa possibilidade.
Boa sorte!