Militar aprovado em concurso público pode pedir afastamento para realização de curso de formação?

Os militares, vinculados a uma das esferas integrantes das Forças Armadas – Marinha, Exército ou Aeronáutica – têm seus direitos e deveres regulamentados pelo art. 142 da Constituição Federal. É de competência de lei específica a disciplina das regras atinentes a ingresso, transferência, direitos e deveres dos militares, conforme dispõe o inciso X do artigo mencionado.

Nesse viés, muitos militares da ativa acabam por lograr aprovação em concurso público, que por vezes exigem a participação em curso de formação, situação que atinge diretamente o vínculo com as Forças Armadas. Nessas situações, poderia o militar aprovado em concurso público pleitear seu afastamento da corporação para fins de participação em curso de formação?

A Constituição Federal de 1988 é omissa quanto a essa hipótese, já que apenas prevê que o militar que tomar posse em cargo, emprego ou função pública ficará agregado ao respectivo cargo, somente podendo ser promovido com base em critério de antiguidade. Assim, transcorridos dois anos do afastamento do militar, contínuos ou não, este será transferido para a reserva, conforme disposição prevista no art.142, §3º, incisos II e III do texto constitucional.

De igual modo, a Lei 6.880/80, que instituiu o Estatuto dos Militares, apesar de dispor sobre os direitos, deveres e prerrogativas daqueles que exercem a função militar, foi silente em regulamentar a hipótese referente a participação do militar em curso de formação. No entanto, a lei prevê a possibilidade de agregação, ou seja, de afastamento temporário de militar da corporação, no artigo 81 do referido diploma legal. Nesses termos, há ainda a previsão do afastamento temporário para que o militar possa exercer função de natureza civil, vinculada a órgão público, nos termos do art. 82, inciso XII.

Com base nesses permissivos legais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica[1]no sentido de que o militar pode pleitear seu afastamento temporário da corporação para fins de participação em curso de formação, com lastro na agregação, nos termos do art. 81, e 82, XIII da Lei 6.880/80.

Isso porque deve ser assegurado ao militar a igualdade de condições para ingresso no serviço público, mediante sua participação em todas as fases do concurso público. O exercício do serviço militar não pode impedir a participação do indivíduo nos certames públicos, conforme bem pontuado pelo STJ[2], in verbis: “Nos termos do art.82, XII da Lei nº 8880/80 o militar aprovado em concurso público e convocado para realização de curso de formação, etapa obrigatória do certame, tem direito ao afastamento temporário do serviço ativo, na qualidade de agregado”.

Ou seja, não seria razoável exigir que o militar, para poder participar de concurso público em igualdade de condições com os demais candidatos, tivesse que se desvincular do serviço militar  para participar de todas as fases de certame público, inclusive de curso de formação, sem que isto signifique a efetiva posse em cargo público, situação que implica no seu licenciamento do serviço ativo militar.

Assim, é plenamente viável o afastamento do militar, na modalidade agregação, para fins de participação em curso de formação, nos termos do art. 81 e 82, XII da Lei 6.880/80 e jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Por Daniela Roveda, advogada do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados


[1]ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO.MILITAR. APROVAÇÃO PARA O CURSO DE FORMAÇÃO. AGREGAÇÃO. DIREITO. LEITURA DO ART. 80 E 82, XII DA LEI 6.880/80. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STJ. EXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

  1. Cuida-se de mandado de segurança preventivo impetrado por militar, candidato em concurso público para outro cargo, que alega estar na iminência de ser excluído do Exército em razão da negativa – fixada em portaria do Comandante da Força – de possibilidade de outorga da agregação para realização do curso de formação do certame.
  2. A leitura sistemática do art. 80 e do inciso XII, do art. 82 – ambos da Lei Federal n. 6.880/80 – permite o pleiteado direito à agregação e se traduz na necessidade de isonomia, ou seja, da efetiva aplicação do princípio constitucional da igualdade de condições que deve ser outorgado para todos os candidatos. Afinal, caso fosse dado entendimento diverso, o militar seria prejudicado em detrimento dos demais concorrentes.
  3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está firmada no sentido de que os militares, quando candidatos em outros concursos públicos, possuem direito à agregação para que seja possibilitada a participação nos cursos de formação, quando fazem parte do certame.

Precedentes: AgRg no REsp 1.404.735/RN, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.2.2014; AgRg no AREsp 172.343/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no AREsp 134.481/BA, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.5.2012; AgRg no REsp 1.007.130/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 21.2.2011; e REsp 840.171/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 17.12.2010. Segurança concedida.

(MS 17.400/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2014, DJe 29/09/2014)

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. CONCURSO PÚBLICO.PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO. HIPÓTESE DE AGREGAÇÃO CONFIGURADA. DIREITO DE OPÇÃO PELA REMUNERAÇÃO.

  1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o militar aprovado em concurso público tem direito a ser agregado durante o prazo de conclusão de curso de formação, com direito à opção pela respectiva remuneração. Precedentes: AgRg no REsp 1.007.130/RJ, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 21/2/2011;AgRg no AREsp 134.481/BA, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2/5/2012; e AgRg no AREsp 172.343/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1/8/2012).
  2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1470618/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 31/10/2014.

[2]AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR.

CONCURSO PÚBLICO. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO. HIPÓTESE DE AGREGAÇÃO CONFIGURADA. ART. 82, XII, DO ESTATUTO DOS MILITARES.

  1. Nos termos do art. art. 82, XII, da Lei n.º 8.880/80, o militar aprovado em concurso público e convocado para realização de curso de formação, etapa obrigatória do certame, tem direito ao afastamento temporário do serviço ativo, na qualidade de agregado. Só após a efetiva investidura do militar no cargo postulado é que se dá seu licenciamento exofficio do serviço ativo.
  2. Caso se conclua de forma diversa, estaríamos admitindo que o militar, para participar de uma fase de um concurso público, deveria pedir seu desligamento da corporação, antes mesmo de saber se será aprovado no referido certame, circunstância que, a toda evidência, violaria a oportunidade de acesso do militar aos cargos públicos em igualdade de condições com os demais candidatos.
  3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1007130/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011)

Be Sociable, Share!