O controle jurisdicional de legalidade do concurso público

O empenho de candidatos em ingressar nos quadros da Administração Pública evidencia no procedimento administrativo do concurso público o maior exemplo de competitividade por meritocracia que se pode observar em nosso país. O sucesso da forma de seleção deve-se – embora não só a ele, mas principalmente – ao princípio da moralidade administrativa, porque é nele que o candidato confia o seu fôlego à empreitada de estudos, certo de que não haverá perseguições pessoais, privilégios ou favorecimentos de qualquer ordem. O candidato melhor preparado é que sairá exitoso em seu objetivo.

A própria Constituição Federal, no artigo 37, inciso II, assegura o acesso a cargos públicos por intermédio da realização de concursos públicos, fazendo alusão ao mencionado princípio da moralidade no cabeçalho daquele mesmo preceptivo. E em um inciso antes, no inciso I, há expressa disposição de que a todos os brasileiros, atendidos os requisitos estabelecidos em lei, são acessíveis os cargos, empregos e funções públicas. Sem dúvida, justiça e democracia são a tônica da disciplina constitucional.

O tratamento conferido ao procedimento do concurso público na Constituição Federal, portanto, preocupa-se com um sistema que deve ser acessível a todos, e que deva produzir resultados justos para os candidatos partícipes do certame, o que só pode ser garantido com uma atuação responsável da Administração na condução do processo seletivo, que se inicia com a escolha da banca examinadora para a elaboração das provas e correções, passa pela homologação do concurso e, finalmente, se radica na nomeação dos candidatos aprovados segundo a ordem de classificação.

O ponto a se elevar nas próximas linhas se contextualiza no ideal de justiça tanto desejado pela Constituição Federal na promoção do concurso público, afigurando-se o controle jurisdicional de sua legalidade a temática de investigação. As respostas terão suporte apenas na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Corte responsável por dar a última palavra sobre o direito federal, afastando-se esse autor de suas convicções pessoais, que talvez só prejudicassem o propósito concebido para esse espaço.

Emoldurado o objeto dessa breve exposição, é possível traduzir com alguns questionamentos as inúmeras demandas que aportam ao Judiciário: qual é o limite da atuação dos tribunais no exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do concurso? Pode haver análise dos critérios de formulação e correção de prova? É possível a anulação judicial de questão objetiva de concurso público?

A negativa imediata e sem ponderação a qualquer das perguntas equivaleria a ignorar a intenção constitucional em promover justiça com a realização do concurso público, além de afastar o legítimo e também constitucional direito dos candidatos (artigo 5º, inciso XXXV, da CF) em socorrer-se do Judiciário em face da lesividade que consideram sofrer. Os contornos jurisprudenciais são assinalados a seguir.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendia que a formulação de questões e atribuições de nota em concurso público não poderiam ser apreciadas pelo Poder Judiciário, o que hoje é relativizado. Assim, embora o Judiciário não deva fazer às vezes do Administrador Público, deve preservar as disposições do edital.

Atualmente, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a competência do Poder Judiciário limita-se ao exame das legalidades das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do concurso, desbordando-se, contudo, de sua competência, a análise de critérios de formulação de questões e de correções de prova, bem assim a atribuição de notas aos candidatos, matérias que se circunscrevem ao domínio da Administração Pública.[1]

Todavia, tem-se reconhecido, em caráter excepcional, a anulação de questão objetiva de concurso público, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável.[2] Nesse sentido, já afirmava o Superior Tribunal de Justiça em 2006 que na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível de plano, pode o Poder Judiciário declarar nula questão de prova objetiva de concurso público. [3]

A atuação em regime de exceção pelo Poder Judiciário justifica-se em respeito ao princípio da separação de poderes, não lhe sendo lícito investir-se em feixe de competência próprio da banca examinadora, especialmente para revisar questões ou parâmetros científicos utilizados na formulação de itens, possuindo legitimidade apenas para examinar se a questão foi elaborada de acordo com o conteúdo programático previsto no edital do certame, consistindo esse controle aspecto relacionado ao princípio da legalidade, e não ao mérito administrativo.[4]

Apesar de toda a disciplina e evolução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, é preciso ficar vigilante quanto ao tema. Finalmente, saliente-se haver no Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário (RE nº 632.853, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes) com o reconhecimento de repercussão geral quanto à análise da possibilidade do Poder Judiciário realizar o controle jurisdicional sobre o ato administrativo pelo qual se avalia questões em concurso público. Após o julgamento do STF, o entendimento a ser fixado, segundo a sistemática estabelecida pelo artigo 543-B, do Código de Processo Civil, deverá ser aplicado em todos os casos sob julgamento no país, pacificando-se de uma vez por todas a discussão que gravita o tema. Atentem-se!


[1] Precedentes: AgRg no RMS 36.940⁄SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03⁄05⁄2012, DJe 11⁄05⁄2012; AgRg no REsp 1244266⁄RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 22⁄11⁄2011, DJe 02⁄12⁄2011; e RMS 20.984⁄RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03⁄11⁄2009, DJe 12⁄11⁄2009).

[2] RMS 28204⁄MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05⁄02⁄2009, DJe 18⁄02⁄2009

[3] REsp 471360⁄DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 21⁄09⁄2006, DJ 16⁄10⁄2006, p. 415

[4] AgRg no RMS 29039/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 02/10/2012.

Por Kayo Leite

 

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