O Concurso Público foi anulado. Tenho direito a ressarcimento dos gastos?
Imagine-se na seguinte situação: Após dispender vários gastos para realizar uma prova de concurso público, dentre eles, inscrição, passagem e hospedagem, o certame é cancelado, deixando-lhe sem qualquer possibilidade de, ao menos, concorrer ao cargo almejado.
É evidente que, ante a descoberta de irregularidades, é dever da Administração tentar corrigi-las e, caso não haja solução, a única saída pode ser o cancelamento do Concurso Público. No entanto, há o rompimento da expectativa de milhares de candidatos que veem, na carreira pública, uma chance para melhorar de vida. Veja-se que tal expectativa, como dito anteriormente, não vem só, mas juntamente com gastos.
Daí questionamos: Tais gastos podem ser ressarcidos?
Primeiramente, temos de indicar que, na forma do §6º do artigo 37 da Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Dessa forma, necessário é que ocorra o fato administrativo, o dano e o nexo causal.
Temos, assim, que no caso de anulação ou cancelamento de um Concurso Público, todos os elementos estão presentes: Fato (Cancelamento/Anulação), Dano (gastos efetuados pelos candidatos) e o nexo causal (a relação de causa e efeito entre Fato e Dano, que não poderia ser mais clara). Ainda, independentemente de onde parta a irregularidade, teremos uma pessoa jurídica de direito privado ou de direito público concorrendo para que tal fato ocorra, o que se amolda, perfeitamente, ao ditame constitucional.
Assim, cabe ao candidato demonstrar os prejuízos sofridos ante a não realização do certame público, para que tenha direito a ser indenizado. Por outro lado, é preciso considerar que tipo de dano seria indenizável, moral ou material? Em recente julgamento de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou, no tema 512, a tese de que “o Estado responde subsidiariamente pelos danos causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de Direito Privado (Art. 37, §6º da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude”.
Vale dizer, segundo o STF, a responsabilidade direta pelo ressarcimento dos danos materiais, em caso de indícios de fraude é da Pessoa Jurídica da entidade organizadora do certame, restando ao Estado a assunção da responsabilidade somente em caso de insolvência da instituição organizadora.
Por outro lado, caberiam eventuais danos morais?
A resposta depende do momento em que ocorre a anulação. Isso porque, caso seja antes da nomeação dos candidatos, temos que são devidos, tão somente, os danos materiais, conforme Tema 512 do STF.
Porém, em caso específico, em que o candidato já estiver nomeado e, até exercendo a função pública, a nulidade de sua contratação pode, sim, gerar a necessidade de indenizar, sobretudo se a irregularidade for por culpa exclusiva da Administração. Foi o que decidiu a 2ª turma do Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do Recurso de Revista n. 394-84.2011.5.04.0551.
Portanto, para que se configurem danos morais, é necessário que a consequência da irregularidade seja drástica, ou seja, redunde na nulidade da contratação/nomeação do candidato aprovado. Caso contrário, serão devidos somente danos materiais.
Participei de um concurso público para docente em universidade pública, cujo critério para admissão era somente entrevista. A candidata que ficou em primeiro lugar, além de ter o pior currículo dentre os cinco candidatos, é parente do coordenador do curso, pois tem o mesmo sobrenome dele. Gostaria de saber como devo proceder, pois acho isso um absurdo, inclusive tive que pagar minha inscrição e perdi tempo e dinheiro com passagens de ônibus e trem para outro município, e ao mesmo tempo não tenho mais interesse em concorrer à vaga. Gostaria de uma orientação.
Prezada Wanra, agradecemos o contato!
Se há indicativo de afronta aos princípios da impessoalidade, moralidade e, talvez, prática de nepotismo velado, é pertinente que a Sr.ª comunique o ocorrido ao Ministério Público, para que ele, como fiscal da lei, possa atuar.
Estamos à disposição!
Att.
Agradeço pelos esclarecimentos, mas fiquei com uma dúvida.
O concurso que eu fui fazer foi cancelado quando eu já estava na viagem e, por sorte, consegui descer no meio do caminho. Vou pedir ressarcimento dessa passagem rodoviária.
Mas fiquei com a dúvida: onde devo fazer isso? Qual o local? Já preciso levar a passagem de ônibus também?
Desde já agradeço pela atenção.
Caro Tiago,
você deve pedir o ressarcimento à Administração Pública, juntando os comprovantes dos danos econômicos sofridos, o que inclui certamente a passagem de ônibus. Se não for provida a indenização, é possível pleitear judicialmente o reparo. Para maiores informações, entre em contato conosco preenchendo o seguinte formulário: http://www.direitodosconcursos.com.br/contato/
Nobre colega, o artigo supra versa sobre sobre a hipótese de anulação ou cancelamento do certame, mas em relação ao adiamento da realização das provas? Como ficaria a situação daqueles candidatos que já havia comprado passagens aéreas e reservado estadia em hotel, tendo em vista que para remarcar tanto as passagens quanto a estadia paga-se uma quantia a mais, lembrando que no caso das passagens aéreas muitas das vezes o valor aumenta em determinada época do ano por conta da alta estação?
Grato pela atenção, parabéns pela iniciativa do site!
Caro Henrique, para casos de adiamento, a jurisprudência ainda não é tão firme. Entretanto, como o edital vincula a Administração, pressupondo-se que seu ato será cumprido (quando, por exemplo, se realiza a compra de passagem, ou reserva de hotel), desde que comprovadas as despesas e prejuízos, entendo que é possível pleitear o ressarcimento. Anexo uma decisão em que o adiamento da prova não foi a tempo suficiente do candidato se organizar para nova data, a fim de ilustrar minha resposta:
CONCURSO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CANCELAMENTO DE PROVA. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. FRAUDE E SUSPEITA DE VAZAMENTO. Quando não ocorre, na forma do edital, a tempestiva comunicação de adiamento de prova, o candidato prejudicado com a postergação do concurso, em razão de suspeita de vazamento de questões, faz jus ao ressarcimento das despesas de transporte e passagens rodoviárias. No caso, a divulgação do cancelamento foi efetuada depois que o candidato já estava a caminho. Não cabe, porém, a compensação por danos morais, pois a hipótese se rege pela ideia da vinculação do candidato ao edital. Os transtornos causados em razão do adiamento da prova são aborrecimentos triviais, inerentes aos certames, e antevistos até pelo instrumento convocatório. Juros moratórios reduzidos. Apelação do Autor desprovida. Apelação da UFRJ parcialmente provida. (AC 200851010083075, Desembargador Federal Guilherme Couto, TRF2, Sexta Turma Especializada, 28/02/2012).
Espero que tenha lhe esclarecido!
Boa tarde Rafaela.
Qual seria o foro competente para julgar a demanda? o especificado no edital, ou o da pessoa lesada pela anulação?
Thallys!
Em regra, é competente o foro do “domicílio” do réu para julgar ações, veja:
Código de Processo Civil: Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.
Em casos de reparação de dano, o CPC prevê que poderá ser no local onde ocorreu o fato:
Art. 100 É competente o foro: V – do lugar do ato ou fato: a) para a ação de reparação do dano;
Portanto, tudo dependerá de onde se localiza a banca ou de onde o concurso seria realizado. Por exemplo, se for um concurso para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em regra, o foro é a cidade de Porto Alegre.
Ressalto apenas que como a competência “territorial” (em razão do local onde os fatos aconteceram) é considerada “relativa” para nós, o que significa que se for ajuizada ação em outro local e o réu não contestar, ela poderá continuar lá sem nenhuma nulidade processual.
Espero que tenha esclarecido!
Gostei desta matéria. Tomara que o STF siga a jurisprudência, pois pelo menos agora a Administração e as Bancas terão que ter mais cuidado antes de fazer alguma “caca”.